A invasao dias gomes pdf




















Vou fazer um mingau pra ele Olha para dentro do caixote, tristemente Ele t to feio, empalamado. Parece um macaco. Abre uma lata, despeja a farinha na panela. A Isabel. Tem um bocadinho dgua? Pro menino. MAL Nunca tomou outra coisa. MAL A me no tem. MAL Cinco. MAL Nasceu no. Era pra ter mais seis. MAL A gente nunca sabe, n? Quer levar a garrafa pode levar. MAL Precisa no. A gente bebe na bica que tem l fora. Volta para seu apartamento e trata de acender o fogareiro a lcool, para fazer o mingau.

No tava contigo? BEN Saiu antes de mim. Pensei que tivesse vindo pra c. BEN Acabou nada. BEN Desabafando Nem entrou em campo, o sacana! Deu parte de doente e botaram o Biriba.

Abre a garrafa fazendo presso da tampa contra a guarda de uma cadeira. BEN T nada. Fez isso pra no jogar. BEN Mas hoje! Hoje que o olheiro do Flamengo tava l! Perder uma chance dessa! Nunca mais na vida ele vai ter outra igual! LULA entra, com o par de chuteiras ao ombro, preso pelos cordes. Ao ver o pai, baixa os olhos, um tanto acabrunhado. BEN, ao v-lo toma um gole de cachaa e. Morreu algum aqui?!

LULA Tou indisposto. Acho que foi de no dormir esses dias. Deite a, v dormir. LULA Acho que o que eu vou fazer mesmo. BEN Volta-se para ele, subitamente e grita como um insulto Sabe o que o olheiro do Flamengo disse quando viu o Biriba fazer o primeiro gol? Eu estava junto dele e ouvi. Disse que vai levar ele pra treinar na Gvea! LULA E que tem isso? BEN Que tem? Voc ainda pergunta?

Se fosse voc que tivesse jogado, era voc quem ia! LULA No sei por que. Ele gostou do Biriba, podia no gostar de mim. BEN Voc joga mais que dez Biribas. LULA s voc quem diz. Quando cheguei no campo, estava todo o mundo falando. Que era injustia no escalarem o Biriba. E eu sei que verdade. Biriba joga muito mais que eu. S me escalam purqu sou seu filho e voc pede. Tou cheio desse troo! E no quero mais jogar futebol. BEN Pausa. Ele como que procura refazer-se do choque que lhe causaram as palavras do filho Voc no quer LULA No!

BEN Que que voc quer, ento? LULA Sou operrio. Quero ser operrio. BEN E viver sempre na merda! Pausa No v que ser operrio no d futuro? Voc t nessa fbrica h seis anos. Que adiantou at hoje?

Foi jogador. Teve fama. Jogou at no escrete. Pra que? Ningum nem lembra de voc! A chuva leva seu barraco, voc jogado na rua com os outros. Com sarcasmo Ben! O grande Ben! No tem nem emprego BEN Ela tocou no ponto sensvel No meu tempo era diferente. A gente ganhava uma misria, no dava pra juntar dinheiro. E eu tambm no pensava no futuro. Mas hoje outra coisa. Tem jogador milionrio, comprando apartamento pra alugar em Copacabana.

Se eu tivesse a sua idade, tava feito na vida. Porque na minha posio inda no teve outro que. Traindo o seu desejo de continuao E voc tem o meu jogo, meu estilo, garanto que todo mundo ia notar isso.

Operrio a vida toda! Saindo V ser burro assim no inferno! Onde vai, homem? Fica aqui que capaz da Polcia BEN sai sem lhe dar ouvidos Com certeza vai encher a cara. LULA Ele no quer entender Se futebol desse pra ficar rico, ele no tava a vivendo de biscate e bebendo pra esquecer que no mais nada na vida. LULA Nada. Ningum quis. Teve um que ofereceu cinco cruzeiros. Tive vontade de enfiar a faca na barriga dele. Noutro tom Depois me arrependi.

Devia ter pegado os cinco cruzeiros. V MAL fazendo o mingau Comida? MAL Mingau de farinha pro menino. Deita-se na rede Vim logo tambm. Vi no. Mas vi muita gente a por cima olhando, como se esperasse alguma coisa.

Este prdio tem dono! E o dono no vai deixar Canta Vou, vou, vou me acabar bis de dor. MAL Arrumaram trabalho? Deposita alguns embrulhos sobre o caixote Feijo, farinha Vocs comeram hoje? MAL Um pedao de po dormido. MAL Fiz um mingau com o resto da farinha. Ia dar agora. Trouxe leite pra ele. RITA Bota o feijo logo pra cozinhar, me. Tou com fome. No s voc que t com fome. RITA E ainda sobrou dinheiro.

Que dinheiro? De onde veio esse dinheiro, Santa? As duas pedindo esmola na rua; como mendigo! Teve vergonha no, mulher? MAL Salta, heroicamente, em defesa da me E que era que o senhor queria que ela fizesse?! Que deixasse todo mundo morrer de fome?!

Que ficasse aqui, de braos cruzados, esperando, esperando no sei o que?! Que tem pedir esmola? MAL Humilhante no fazer nada. Foi por minha causa que a me comeou a pedir! SANTA Muito baixo, como se desse explicaes somente a si mesma Era s pra comprar um copo de leite e um po pra ela, juro JUSTINO Ele se sente profundamente acabrunhado, como se s naquele momento fizesse esta grande descoberta: que uma nova realidade determina forosamente um novo. Nunca pensei que a gente tivesse que chegar a esse ponto.

Vem frente, como se se sentisse deprimido s em contemplar o fruto da mendicncia Mas capaz de vocs terem razo. Como se procurasse convencer a si mesmo Pedir no crime. O que t feito, t feito. Bota o feijo no fogo, me. Sai pela direita RITA debrua-se sobre o caixote onde est a criana.

Isso fome. Ele j vai comer. Trouxe leite em p. S que ele capaz de estranhar. Lembro do filho da Geluca, a primeira vez que tomou leite teve uma caganeira Ele capaz de estranhar tambm. Nunca provou comida de filho de rico MAL Volta a colocar a criana no caixote, lenta e silenciosamente.

E nunca vai provar Sabia que ele no ia aturar. MAL Ele j vinha morrendo, h muitos dias. De que? Adiantava no. Aquilo no sustenta. Farinha com gua LULA O garotinho morreu. Os tiras esto a! BEN Percebe-se que bebeu um pouco, mas a situao o fora a reagir Esto a! Vieram botar a gente pra fora! LULA So muitos? BEN No sei. Vi s o carro chegar Espera o galo cantar. Olham demoradamente para todos os lados e depois para os andares superiores, com uma arrogncia que trai um receio mal disfarado.

Sbito, um pedao de madeira, atirado de cima, vem cair junto a eles, que se assustam e do um salto para trs, com a mo ao revlver. Se vo querer briga, vai ser pior pra vocs.

Fita um por um, pretendendo intimid-los Vai todo mundo sair daqui. BEN Sair pra onde? Tenho ordem de botar todo mundo pra fora. E quero fazer isso sem precisar usar de violncia. Vocs podem ir pro Albergue da Boa Vontade. Depois de trs dias, botaram a gente na rua. Eu tou aqui pra fazer respeitar a ordem. Isso invaso de propriedade.

E ns temos que defender a propriedade. Vo pegando seus troos e tratando de fazer a pista. Pensam que a gente t aqui pra brincadeira?

Depois eu chamo o rabeco. Todo mundo vai ficar pra acompanhar o enterro. LULA Isso mesmo: todo mundo vai ao enterro. Desce a escada. Imediatamente, como um movimento combinado, vo descendo dos andares superiores homens e mulheres, alguns armados de paus, todos trazendo no rosto a deciso de expulsar os policiais. Esto querendo barulho?

Recua, com a mo no revlver Pensem bem Tudo isso a veio fazer quarto pro anjinho. Aproximadamente 5 horas da tarde. Com exceo do apartamento do Profeta, em todos os outros se nota um esforo para torn-los mais habitveis, notando-se a melhor. Roupas penduradas em varais, principalmente na rea, esquerda, em que se v tambm uma grande bacia, onde Isabel lava algumas peas.

Ben, estendido no colcho, curte uma ressaca. No apartamento da direita, Santa esquenta um prato de comida. Man Gorila entra, do fundo e vem at a rea. O detalhe marcante de sua personalidade a agressividade que emana de seu fsico avantajado e de seu sorriso felino. O apelido advm, naturalmente, do tipo rstico, da fora e do andar gingado.

Contrastando com tudo isso, sua fala sempre macia, envolvente. Quando ameaa, sua voz corta como navalha, mas sem nunca se altear. Ele percorre com o olhar, demoradamente, toda a cena. Ergue os olhos para os andares superiores e seus lbios se abrem num sorriso que quase uma careta, um sorriso de gato.

Isabel, desde que o v, mantm-se numa atitude de receosa expectativa. Tou besta. Ouvi que botaram a Polcia pra correr. Mas no nada seguro.

De uma hora. Respira fundo , aquela enchente foi o diabo. Lamenta-se Sabe, tenho mulher e um monte de crianas pra sustentar Esto l em casa. So uns capetas. Com os quatro que eu j tinha, so seis. Tudo apanhado na rua. E so seis.

Seis bocas pra dar de comer, e mais a mulher, que come por dez. V a senhora a desgraa que foi pra mim tambm essa enchente. A gente que paga. Eles querem o terreno pra fazer arranha-cu. Ri A pedra rolou em boa hora No justo que leve algum? E quer botar todo mundo pra fora.

Arranjou uns papis falsos proteo de gente grada e vai acabar ficando com tudo. O mundo de quem pode. No digo que o terreno meu, nem nada. Meu negcio honesto. O que eu cobro at muito pouco pelo que fao. Mas no gosto de explorar ningum. Fao isso mais porque gosto de ajudar. GORILA Ontem mesmo dei dez contos do meu bolso pra comprar bancos pra escolinha l do morro, Olha em volta Se vocs ficassem aqui, eu era at capaz de fazer uma escola aqui tambm.

Meu candidato a senhora sabe qual. S trabalho pra ele meu compadre e um homem de bem, amigo dos pobres. A senhora sabe o que ele tem feito pela gente l do morro, Bica, luz eltrica, tudo que a gente quer ele consegue.

Um homem e tanto. Nem chegou a terminar o barraco Reforando bem, com boas estacas, no tinha perigo Caixo branco, com friso dourado, de anjinho mesmo. Fiquei at devendo. Me diga onde comprou que eu pago. Sempre fiz isso l no morro. T a dona Isabel que no me deixa mentir. Criana tem tudo dele. E o que vai pro cu deve levar boa informao da gente. Se o senhor pudesse devolver Quem mandou a enchente no fui eu, foi Deus. Cobre dEle D-lhe as costas e inicia a sada com seu passo lento e gingado.

Dois garotos descem dos andares superiores, gritando: Man Gorila, me d uma prata! Man Gorila, me d uma prata! Capaz de explorar at a me dele. Inda bem que estamos livres desse miservel. Era o dono do terreno Acabou de dizer. Arranjava uns pedaos de pau e depois passava a vida cobrando aluguel.

S se no quisesse mais dormir sossegado. E acordar uma noite com o barraco pegando fogo. Ningum nunca descobria quem tinha sido. Que eu sei, j matou dois. Gente da poltica. Precisam dele. Por isso faz o que quer. Olha em volta com desprezo E tambm porque aqui no tem homem. Voltando bacia de roupa Ah, eu devia ter nascido macho Torce as peas de roupa e pendura-as no varal BEN! Levanta, homem! Vai emendar o dia com a noite? Ele inda no chegou do trabalho.

Voc no t com fome? Que importa? Coloca um pouco de comida em outro prato, na mesa improvisada. Pe-se a comer silenciosamente. Um lugar de vigia, numa construo. Pausa Fiz as contas: guardando a metade, dava pra comprar passagem pra todo mundo em menos de. BEN Levanta-se, mal humorado Que horas so? Quer caf, tem no bule. BEN No era do Flamengo? Me prometeram mandar chamar o Lula pra treinar. Conheo ele. Aquele tal de Rafael que andava l no morro.

Volta ao seu servio. BEN Lula t de novo metido com essa gente? MAL Por a tudo. Vendo aqueles anncios do jornal. Senta-se, exausta Tou que no posso mais. Tira os sapatos, movimenta os dedos doloridos. RITA Mal arrumou. MAL Pra comear amanh. MAL Arrumar casa. No parece muito animada Pagam quatro contos. RITA E tem onde dormir. MAL Um quarto sem janela, que s cabe uma cama. RITA Me, posso comer?

Deixe um pouco pra sua irm Voc no almoou. MAL Levanta-se, num gesto cansado Lula me chamou pra sair com ele de noite. Tou no. Tou s pensando que ele podia me levar pra comer em algum lugar. MAL Lula prometeu tambm arrumar emprego pra mim na fbrica.

Come qualquer coisa. Voc no t empregada? Quem sabe d pra guardar um pouco. Voc vai ter casa e comida. MAL Vem at a rea Tem muita diferena no, entre isto aqui e o quarto onde vou ter que dormir.

Aqui, pelo menos se v o cu. RITA Mal disse pra moa que no cabia naquela cama. A moa respondeu que ela encolhesse as pernas. Aquele tal de Rafael. LULA Eu sei.

Encontrei com ele a na esquina. BEN Que que aquele sujeito t querendo aqui? BEN Mandou pra que? LULA Pra ajudar a gente. BEN Ajudar em que? LULA Na resistncia. BEN Voc inda vai se dar mal. Quando pegar uma cana, no diga que no avisei. Essa gente chama cadeia! LULA Eles esto do nosso lado, me! BEN Desconfiado Que interesse tm eles nisso? LULA Interesse nenhum. Quer dizer Eles sabem que ns estamos com a razo. BEN E ser que ns estamos mesmo?

Eles dizem isso pra levar a gente na conversa. Sei como. LULA Porque vocs no viram na fbrica, na ltima greve. Eles que organizaram tudo. Antnio foi preso, mas depois tiveram que soltar. E da priso ele s mandava dizer pra gente: Agenta firme, pessoal. Agenta que eles tm que ceder. BEN E cederam? LULA Bem, no deram 40 por cento, deram Mas era o que a gente queria.

Aumentaram tambm o preo de tudo. Greve besteira. Greve um direito; Retoma com ardor com palavras que, percebe-se, no so suas Mas isto aqui coisa muito mais sria que uma greve.

Ns estamos mexendo com um dos pilares da sociedade capitalista: a propriedade privada! BEN Isso coisa que eles andaram metendo em sua cabea. BEN No boteco. BEN No, tomar uma homeopatia. Pega l. Resmunga todo dia a mesma histria, que o sabo acabou. Tou pra sustentar seu homem no. J sustento o meu e chega.

LULA Aproxima-se de arrumado. MAL Onde? LULA L na fbrica, u. Falei hoje de novo. Ms que vem parece que vo mandar um bocado de moas embora, na fiao.

Gente que t com muitos anos de casa. MAL J arrumei emprego hoje. LULA Arrumou? MAL Casa de famlia. MAL Que tem? Operrio ganha mais. Tem direito a frias MAL Que que a gente vai fazer?

A vida no como a gente MAL,. Se fosse, eu no ia ser criada, nem operria. LULA Que era que voc queria ser? MAL Sei l. S sei que s vezes tenho inveja dos meus irmos que nasceram mortos. LULA No diga bobagem. Tudo isso vai mudar um dia. MAL Voc cr mesmo? LULA Ento! Nem Deus capaz de impedir!

MAL Com ar prometedor Vamos ver. Segue o irmo. Daquelas que s apertar um botozinho e a roupa j sai do outro lado, lavada e passada. No conseguiu nada? S querem msica de gringo. Um dia a gente toca todos eles daqui, com msica e tudo. Sbito, ouvem-se as sirenas de vrios carros da RdioPatrulha. Tocados por uma mesma mola, todos se pem escuta. Conta Um, dois, trs, quatro! Dessa vez eles vieram pra valer! Grita para baixo Minha gente, se preparem que o negcio agora vai ser feio!

MAL A Polcia de novo! RITA E agora um batalho! BEN Eles tavam demorando. E nada de mostrar medo, seno vai. Avana para a rea Primeiro que tudo, fiquem sabendo que o prdio est cercado e que ningum vai ser besta de resistir. Tenho vinte homens comigo, com ordem de descer a borracha em quem se fizer de engraado. BEN Ningum t fazendo nada. Lana em volta um olhar de intimidao Quem deu ordem pra vocs invadirem esta construo? E mesmo que fosse o Presidente da Repblica, vocs iam sair daqui agora, por bem ou por mal.

Tm meia hora pra desocupar o prdio. LULA Ns no temos pra onde ir. Vim dar cumprimento a uma ordem. Comecem a desocupar o prdio, se no querem que mande meus homens atirarem tudo na rua. Que esto esperando? Entra em seu apartamento e desarma a rede. Os favelados voltam, um a um, depois de descarregar fora o fardo. Que est acontecendo aqui?

No podem fazer isso! No admito que procedam desse modo. No posso proceder de outro modo. Eles invadiram o prdio. E se instalaram aqui como se isto fosse deles. Se o Governo no resolve o problema da habitao popular, o povo tem o direito de dar a soluo que estiver ao seu alcance. Eles vo continuar onde esto. Eu assumo a responsabilidade, j disse. Muito bem! Isso que! Se no fosse o senhor RITA Como que ele se chama? Deodato sempre foi amigo da gente, protetor dos pobres.

LULA Vamos apanhar os troos que levamos pra rua. Bom servio. Pro Comissrio que mais. Dessa vez ele quis endurecer. Mas em compensao fez a encenao bem feita O que preciso depois voc trabalhar essa gente Sou um homem do povo, filho de pais humildes, criado em ambiente humilde, que por isso sente na prpria carne o drama que esto vivendo.

Fizeram muito bem e aqui estou, no s para lhes dar o. Faz uma pausa de efeito Se reeleito nas prximas eleies, comprometo-me a apresentar um projeto. Cala a boca! RITA Vo dar uma casa pra gente, me? Aqui tudo voto garantido. MAL Balana afirmativamente a cabea Hum-hum MAL Tou quase.

Talvez eu lhe arranje um bom emprego. Tira da carteira um carto Aqui tem o meu carto. Pode ir me procurar. No tenha cerimnia. Despede-se de todos com um gesto largo Adeus, minha gente Contem comigo, que eu conto com vocs.

Sai, sem. MAL Bruscamente Ixe! De conversa de candidato eu tou cheia. Antes da eleio eles prometem mundos e fundos. Se ele diz que pode conseguir isto pra gente, que deve poder mesmo. Que o cabra fala um bocado bonito, fala. At prometeu emprego pra Mal. Voc chega l, ele manda vir depois. E depois. E vai embromando at chegar o dia da eleio. MAL Pra que? Sou cega pra precisar de guia? Com ele no tem polcia. Vocs devem a ele no terem sido despejados. E tem mais. J combinei com ele. Amanh mesmo vou providenciar madeira, pregos, sou capaz at de arranjar luz eltrica.

Fechar todas essas paredes com madeira, fazer porta, janela Apartamento mesmo de verdade. LULA Ningum t lhe pedindo isso. Vocs no podem continuar morando com tudo isso assim, aberto, apanhando chuva.

Como disse doutor Deodato, vocs merecem habitao digna de seres humanos. Vamos ter que pagar aluguel? E lembre que l no morro vocs pagavam no era s pelos barracos, era tambm pelo direito de morar e viver em paz. Pela certeza de no vir ningum disputar a posse do seu pedao.

Pela tranqilidade de no ter que acordar de noite com o barraco pegando fogo Tudo isso quem garantia era eu, Man Gorila. E vou garantir aqui tambm LULA E se no J vi que ainda cabe muita gente aqui. L em cima ainda cabe o dobro.

Conheo muito cara, gente que anda sempre fugindo da justa, que gostava de vir pra c Eles vo descendo a borracha, sem olhar Faz uma pausa Mas nada disso vai acontecer. Man Gorila t aqui pra garantir a ordem e a tranqilidade, com a ajuda de Deus e da Polcia. No fim do ms venho acertar as cotas de cada um.

Como tem a uma lei que probe aumentar os aluguis, e eu gosto de respeitar a lei, vocs continuam pagando a mesma coisa que pagavam no morro. Vou l em cima avisar o resto do pessoal. Profeta tambm t aqui? Olhe, os seus sobrinhos esto l em casa.

Deus h-de pagar O senhor um homem bom, neste mundo de maldade. Onde que voc t? O senhor sabe No tenho renda Vivo da caridade de algumas pessoas Ele me confiou uma nobre misso na Terra: sou profeta. Mas eu sou um homem de juzo perfeito. Tambm Jesus disse a seus profetas: Sereis perseguidos e tomados por loucos A diferena que h entre mim e os outros homens que eu tive o privilgio de ver o futuro! Deixe que lhe conte a viso que tive!

Sobe a escada para o 1. Todos dormem. A cena est quase s escuras. Apenas a luz da lua batendo nas pilastras. Entram Mal e Lula. Param no meio da rea. MAL Bem Ele tenta beij-la, ela esboa uma reao. MAL No faa isso. Liberta-se dos braos dele Que que voc t pensando? Que eu sou dessas? LULA Que que tem? Ningum t vendo. E eu gosto de voc. Voc no gosta de mim? MAL Gosto.

Mas isso outra coisa. LULA coisa de quem gosta. Quem gosta faz isso Torna a enla-la MAL Olhe que podem ver LULA T todo mundo dormindo. Vamos l pra trs dos tabiques Reage vigorosamente No! MAL Eu sei o que voc t querendo. No quer dizer que eu no tenha boa inteno com voc.

MAL Eu sou moa. LULA E da? MAL Voc casa comigo? LULA No vou largar voc depois. Nem depois nem nunca mais. MAL Voc fala assim e no tem onde cair morto. LULA No terceiro andar ainda tem lugar. Se a gente se juntasse, eu podia arranjar umas tbuas, fechar as paredes Depois a gente comprava uns mveis em segunda mo, eu mesmo fazia, conheo o ofcio de carpinteiro.

Ia ficar uma beleza de barraco, com a vista bonita que tem l de cima MAL Isso sonho. Dias Gomes: depoimento [22 jan. Entrevistador: Marcelo Siqueira Ridenti. Rio de Janeiro, Nesse momento, Lula destaca-se pelo seu idealismo e otimismo. A sua recusa em se tornar jogador de futebol, segundo o desejo de seu pai, demonstra seu idealismo latente: LULA Biriba joga muito mais que eu.

Ele como que procura refazer-se do choque que lhe causaram as palavras do filho. Todo mundo vai ficar pra acompanhar o enterro. LULA: Isso mesmo: todo mundo vai ao enterro. Pensem bem Quatro morreram de fome Ela vai comer bem, vai se tratar LULA: Radiante. RITA aparece na porta do seu apartamento.

Excessivamente pintada, de salto alto, parece subitamente amadurecida. LULA : Malu! Vamos esperar por ele! MALU: Hesita um instante e por fim cede. Dessa maneira, o que aconteceu de errado? Por que parcelas do povo apoiaram o golpe?

Rio de Janeiro: Record, Apenas um subversivo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Segundo Dias Gomes, foi o teatro o primeiro setor da intelectualidade a se organizar para protestar contra a ditadura instalada em abril de No palco, abriu-se a primeira trincheira. E assinavam. E aplaudiam. Liberdade individual e coletiva.

E continua a acontecer. No vento que me fustiga os cabelos, quando ando a cavalo. Ou num bom prato de carne -seca, bem apimentado, com muita farofa, desses que fazem a gente chorar de gosto. Posso lhe arranjar uma roupa de meu pai, enquanto o senhor espera. Fita o noivo corajosamente.

Nas palavras de Dias Gomes: 58 Ibid. Mas fomos derrotados. Mais passeatas, mais protestos contra a ditadura. Em abril de , vinte 64 Ibid. Artistic and intellectual groups, specially the one that took a leftist political stand, were not indifferent to such change.



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